Opinión en Galicia

Buscador


autor opinión

Editorial

Ver todos los editoriales »

Archivo

Maria Sabela...!

Rivero, Manuel - lunes, 05 de mayo de 2025
Maria Sabela...!
Por
María das Dores Arribe Dopico*

A primeira vez que a encontrei [A MORTE] era eu mui novinha... ainda nom tinha cinco anos… Porém, esse encontro fica hoje, apessar do tempo transcorrido… muito mais claro… mais nítido... mais vivo… do que outros acontecidos despois e que jazem na arquinha das minhas lembranzas.
Apresentou-se na casa sem anunciar-se... sem que nada fixesse prever a sua chegada... a traiçom... como quem vem roubar...
Era o mes de decembro do ano 42... Fame... medo… frio na Galiza da pos-guerra… Pola primeira vez, desde que voltara do campo de concentración franquista, meu pai faltava da casa… Ia em Cádzi: havia tanto trabalho no estaleiro de “La Carraca” que necessitavam a colaboraçom e a experiência dos rejos trabalhadores de Ferrol… mestres en fazerem barcos...
Escrevia com frequência e constituía umha festa escuitarmos a leitura das suas cartas: as tres meninhas ao redor da nossa nai... A mais novinha ainda quase nom sabia falar... Eu era a mais velha: umha meninha tímida e séria... a mais expansiva era María Sabela… e também a mais linda: olhos azuis, como o céu… cabelos claros e sedosos… o riso sempre nos lábios… brincando e fazendo trasnadas ou ameazando a irmá mais velha com fazer algumha… só para assustá-la… quando via as bágoas nos meus olhos e o espanto no meu rosto botava-se a rir em gargalhadas frescas… O seu riso eram sinos que tangiam e foguetes que estalavam criando um ambiente de festa ao redor dela e dessipando os meus temores… Maria Sabela...!
Todas as noites, antes de deitar-nos, rezávamos umha oraçom especial polo pai ausente... para que vinhesse aginha… Em cada carta que lhe escrivia nossa nai envíávamos-lhe recado de nom esquecer as bonecas que tinha de traer-nos… Maria Sabela era quem mostrava mais interesse pola boneca… falava dela arreu… Pola tardinha, mentres esperávamos a cea cativa daquel tempo de miséria… sentadas ao redor do braseiro… as nossas conversas giravam sempre em torno de tres temas: a volta do pai… as bonecas… as festas do Natal… Na realidade eram tres aspectos do mesmo assunto: as Festas iam traer o pai á casa e o pai ia traer as bonecas… Contávamos com ánsia os dias que faltavam.
Umha manhá Maria Sabela nom pudo erguer-se da cama... levava já alguns dias queixando-se de dores num ollho e num ouvido mas o médico dizia nom terem importância… Aquel dia doía-lhe também a cabeça e tinha febre… Veu o doutor á casa: nom via clara a doença da meninha… nom sabia… cumpria agardar. Pola tarde houvo grande agitaçom na familia... minha nai chorava… a meninha já estava quase cega… Menegite.
Poucas veces, ao longo da minha vida, sentim tanta soledade e tanto abandono como naqueles dias... Intuía... pressentia que algo terrível passava embora ninguém mo dixesse nem eu me atrevesse a perguntar… Os médicos entravam e saíam… Os parentes e os amigos choravam… eram mui carinhosos comigo e convidam-me a ir para as casas deles… Minha nai ficava noite e dia ao pé da cama de Maria Sabela que já nom comia… nem bebia… nem falava… Botavam-me fora do quarto… alonjavam-me da casa… E minha irmá nom estava comigo para tranquilizar-me...! Nom soava o seu riso feiticeiro para esconjurar tanta tristeza... Maria Sabela...!
Ao cabo chegou meu pai... Aquela chegada tam ansiada… sonhada em comum mil vezes como umha data alegre… feliz… estivo tingida de dor e de siléncio… Deu-me apenas um bico rápido… nom lhe dava chegado o momento de ver a enferminha… Meu pai era um bom moço mas nunca me parecera tam grande: vinha fraco devido ao tempo que passara longe da mesa familiar... numha hospedaria barata para aforrar mais dinheiro… Nom saira da sua Terra para viver bem… afastara-se dos seus para ir ganhar as pesetas que faziam falta: as tres meninhas necessitavam comida, roupa e escola… A viage naqueles trens da época e as duas noites sem dormir punham-lhe umha cor de cinça no rosto, que, pola primeira vez, vim escurecido… estavam ausentes aquel seu sorriso e aquel lume dos seus olhos embaciados polas bágoas....
Ninguém soubo com certeza se Maria Sabela chegou a dar-se conta da sua presença tam desejada… El falava-lhe… dava-lhe bicos... Tirou da mala a boneca... comprada com tanta ilusom, puxo-lha na cama… acarom dela… esperando, talvez, que fixese um milagre...
Quando a Morte entrou no quarto achaou-nas juntinhas... deitadas no mesmo leito… Gostou mais da meninha e a boneca ficou orfa… Era o día 28 de decembro… o dia dos Inocentes… Maria Sabela tinha tres anos.
Deixou-me no coraçom um vazio que nunca encherom os irmáns nados despois… perdim a minha companheira de jogos e de ilusions… foi a primeira vez que perdim algo mui querido… Desde entóm sei com quanta facilidade se quebra este barro de que estamos feitos... Aprendim, também, que hai algo mais forte que o amor e as ansias de viver... algo fatal que nos trai e nos leva ao seu antolho sem respeitar a beleza… os sentimentos… a graça… a idade… algo contra o qual é inútil luitarmos… Com Maria Sabela forom-se da casa a alegria e os cantares… sem ela ja nunca as cousas forom como antes....
Passei mal aquel inverno... andava sempre tristeira… comia pouco… chorava por qualquer cousa... A familia assustou-se... perguntavam-me se me doía algo… levarom-me ao médico… O doutor também queria saber qué me doía… Despois de perguntar-me várias vezes, fixem um esforço para localizar o meu mal e dixem, pondo as duas maos sobre o peito: "Aqui dentro..." O médico auscultou-me com paciência… mirou-me polos Raios X… e chegou á conclusom de que me doía o peito de tanto tossir: tinha um catarro mui forte… Receitou-me umhas injecços e aconselhou que me alimentassem bem: estava moi frouxa... Hoje sei que nom era umha enfermidade aquilo que oprimia o meu peito... era angústia.… a angústia que ia ser ao longo da minha vida umha companheira fiel e constante… a angústia de descobrir, antes dos cinco anos, a nossa fragilidade… a precaridade da nossa siituaçom na vida… a minha condiçom inexoróvel de mortal...
Assim foi como conhecim a Morte... despois cruzou-se outras vezes no meu caminho para roubar-me alguns companheiros de viage mui queridos... Porém, nunca me feriu com tanta sanha como no primeiro encontro... quando invadiu o meu mundo infantil para levar o mais formoso... o mais cheio de vida que havia nel...
Desde aquela sei que pode chegar em qualquer momento... Levo já muitos anos aguardando-a.

* María das Dores Arribe, cuarenta e cinco anos mais tarde sofriría, na madurez da vida, coa mesma intensidade o pasamento do seu irmao Jorge, o "seu meninho". Umha parte desa profunda dor podemos visualizala nos cento cincuenta e sete pooemas "In Memoriam", inéditos, escritos entre o día 27 de maio de 1987 e o día 15 do mesmo mes do ano1990.
Rivero, Manuel
Rivero, Manuel


Las opiniones expresadas en este documento son de exclusiva responsabilidad de los autores y no reflejan, necesariamente, los puntos de vista de la empresa editora


ACTUALIDAD GALICIADIGITAL
Blog de GaliciaDigital
PUBLICIDAD
HOMENAXES EGERIA
PUBLICACIONES